Gabriel Rezende de Souza,
gerente sênior de RH da Masisa, mudou a frequência de feedbacks para atender
aos milênios
"Revista para mim é um iPad que não funciona", diz
a executiva Ginger McCullough, vice-presidente da rede americana de
supermercados Brookshire Grocery Company, para uma plateia atenta formada por
mais de 2,2 mil gestores de recursos humanos de grandes companhias globais. Na
verdade, ela repete a frase de sua filha adolescente. A observação provoca
risos, mas também certo desconforto, uma vez que o maior dilema no dia a dia
desses profissionais é justamente tentar entender - e atender - as necessidades
de jovens como sua filha em suas empresas.
Fissurados em tecnologia, os chamados milênios, nascidos dos
anos 80 em diante, foram objeto de um amplo estudo realizado pela consultoria
Oxford Economics em parceria com a SAP. O levantamento, chamado "Workforce
2020", foi apresentado no fórum "Success Connect-Engaging Your
Workforce of Tomorrow", realizado em Las Vegas, na semana passada. Um dos
dados que surpreende na pesquisa, que ouviu 2.718 executivos e 2.872 empregados
(50% milênios), em 27 países, incluindo o Brasil, é que existem mais
similaridades do que diferenças no que a nova e as gerações anteriores pensam
sobre o trabalho.
Assim como acontece com os profissionais mais experientes, a
remuneração para esses jovens é o item mais valorizado no trabalho. Para 41%
deles, quanto maior for o pagamento, maior será o seu engajamento na companhia.
Uma diferença entre os milênios e as demais gerações é que, para eles, é essencial
que essa remuneração seja competitiva, atrelada a metas e objetivos muito
claros.
Um dado curioso do estudo é que até os milênios admitem que
também têm medo de se tornarem "obsoletos" - esse índice é duas vezes
maior que o de perderem o emprego. Entre os empregados brasileiros, 27%
demonstraram preocupação em ficar para trás em termos de habilidades e
aprendizado tecnológico.
Como os profissionais mais seniores, os mais jovens
acreditam nos valores das companhias e também querem equilíbrio e qualidade de
vida. A questão é como eles vão ter acesso a tudo isso. "É preciso que
essas dinâmicas corporativas sejam mais próximas da vida que eles levam fora
das companhias", diz Jacob Morgan, um jovem consultor que, após se
frustrar em várias passagens por grandes empresas tradicionais, decidiu montar
sua própria companhia, a Chess Media Group, da qual se autodenomina
"king" no cartão de apresentação.
Sua consultoria hoje é referência mundial quando o assunto
são as novas relações de trabalho. "As empresas ainda estão estruturadas
como nos anos 80 e desconectadas dos novos tempos", afirma. Para o
especialista, autor do livro "The Future of Work" ("O Futuro do
Trabalho"), as pessoas buscam em um emprego informação, flexibilidade e a possibilidade
de atuar de forma colaborativa. A popularização da tecnologia, os smartphones,
as redes sociais e o autoaprendizado on-line, segundo ele, criaram um novo
jeito de pensar, que precisa ser incorporado pelas políticas de gestão de
pessoas nas companhias.
O estudo mostra que 51% dos executivos acreditam que a
entrada dos milênios até 2020 vai provocar um grande impacto em sua estratégia
de gestão de pessoas. Mas, 64% dizem não estar preparados para lidar com essa
nova geração. A maior lacuna entre o que os jovens querem e os executivos
oferecem é em relação ao feedback. "Os gestores dizem que dão um retorno
mensal aos funcionários sobre suas atuações, mas os milênios querem muito mais
que isso", diz a Dra. Karie Willyerd, vice-presidente sênior de
"learning social adoption SuccessFactor" da SAP, uma das responsáveis
pela pesquisa.
Para ela, o maior problema é o que os executivos não
comunicam para os jovens de maneira clara as suas expectativas em relação ao
seu desempenho - existe uma diferença entre o que esses trabalhadores acreditam
que seus chefes esperam deles e a realidade. Em uma lista de prioridades com o
que supostamente os líderes querem de seus liderados, performance, por exemplo,
aparece em 10º lugar na lista dos chefes. Os milênios, por sua vez, acreditaram
que para seus dirigentes esse item estaria bem mais à frente, em 3º lugar.
"É preciso deixar claro o que é valorizado na empresa e por qual
razão", diz a pesquisadora. A transparência é fundamental, assim como
conectar as ferramentas de recompensa a esses valores.
Na opinião de Peter Sheahan, fundador e CEO da empresa
Change Labs, a entrada desses novos profissionais vai fazer com que os
departamentos de RH repensem o que a companhia quer, onde estão as pessoas e
qual o melhor lugar para um talento atuar. "É preciso vencer os
estereótipos e estabelecer novas prioridades", afirma.
As grandes transformações econômicas, a chegada de novos
competidores, a globalização das companhias e a formação de equipes virtuais
estão mudando o perfil dos trabalhadores. Em breve, cinco gerações -
possivelmente com nacionalidades, experiências, habilidades e hábitos
diferentes - vão estar trabalhando em um mesmo ambiente. "A gestão dos
talentos vai ficar cada vez mais complexa", diz Mike Etting, da SAP.
Outra mudança será o aumento significativo do número de
trabalhadores sem um contrato tradicional. Na pesquisa, 83% dos executivos
dizem que vão contar com um contingente maior de profissionais temporários, que
atuem em meio período, prestem apenas consultoria ou que sejam freelancers.
"As vagas formais vão diminuir e as relações profissionais vão se
estabelecer de maneiras distintas", diz Edward Cone, da Oxford Economics.
Mas isso, segundo ele, não deve afetar o envolvimento do profissional nos
projetos e o seu engajamento, mesmo ele sendo um milênio. "As companhias
vão ter que conhecer melhor esses profissionais e ter mais dados sobre
eles."
Para os RHs, isso significa incluir mais pessoas com esse
perfil em seus planos de gestão de talentos. "Tudo vai ter que ser
redesenhado. Será preciso fazer as perguntas certas para saber o que realmente
importa", diz Cone. O uso de plataformas tecnológicas que ajudem nessa
tarefa deve aumentar, mas essa transição vai exigir mudanças culturais internas
importantes. "Sozinhos, os dados não servem para muita coisa. Temos que
interpretá-los de forma produtiva para que eles ajudem a melhorar o
desempenho", diz Emilio Mariño, vice-presidente sênior de gestão de
capital humano da SAP para América Latina e Caribe.
Gabriel Rezende de Souza, gerente sênior de recursos humanos
da Masisa - empresa de origem chilena que fabrica painéis de madeira e emprega
9.500 pessoas em oito países entre funcionários diretos e indiretos -, diz que
em seu grupo houve uma preocupação em se antecipar a essa tendência. Em 2011, a
companhia adotou a plataforma SuccessFactor, da SAP, que ajuda a fazer a gestão
de RH armazenando dados na nuvem. "Foi criado um ambiente único para
controlar processos e compartilhar metas e projetos", explica.
Um dos objetivos da ferramenta, que na Masisa ganhou o nome
de Maximiza, foi justamente dar agilidade e transparência aos processos de RH
e, assim, atender a uma demanda dos milênios. "O índice de engajamento
entre eles era menor. Agora, estão bem mais envolvidos, pois sabem exatamente o
que queremos e aonde podem chegar". Segundo Souza, já havia uma
preocupação em dar mais feedback para esses jovens - a avaliação semestral
passou a ser trimestral -, mas ainda existe a percepção de que é preciso
oferecer mais. "Estamos pensando em começar um programa de mentoria",
diz.
O aprendizado é uma demanda importante dos milênios. Nesse
sentido, o estudo demonstra que o treinamento formal está no fim da lista
quando os profissionais respondem como ele acontece em suas companhias.
"Os jovens dizem que aprendem mais com seus gestores imediatos", diz
a Dra. Karie.
Para Jacob Morgan, a autoaprendizagem hoje é uma realidade.
É possível recorrer a cursos on-line disponíveis em diversos meios, e as
companhias precisam criar mecanismos de conexão com essas plataformas - e não
ensinar apenas do jeito tradicional, com professores em sala de aula.
"Ninguém aguenta mais isso, especialmente os jovens", diz. E se o
motivo de tanta preocupação sobre os milênios é como as companhias vão atrair e
ter acesso aos mais talentosos, a resposta é simples: desenvolvimento. "A
lealdade vai vir daí", diz Karie.
Matéria publicada originalmente no jornal Valor Econômico e assinada por Stela Campos
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