sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Admirável Novo Mundo


Na edição anterior, descrevemos os movimentos globais que elevam a estética e a arte a um patamar mercadológico nunca antes alcançado. Esse movimento não dá sinais de arrefecimento, ao contrário: a cada temporada da moda, ciclo de lançamentos das operadoras de telefonia ou estágios de entrada dos novos modelos automobilísticos, o fenômeno se repete.
Há, na verdade, um moto-contínuo de inovação estética e, mais do que isso, a incorporação do bom gosto, do refinamento e do branding a cada novo projeto de qualquer produto ou serviço, nas mais diferentes áreas industriais, de manufatura ou até nas chamadas commodities agrícolas (café, por exemplo).
Fizemos uma saudável provocação, no sentido de avaliar a nossa adaptação, como gestores e profissionais de recursos humanos, a esse irreversível caminho de convivência com a arte e todas as suas manifestações. Por uma feliz coincidência, aconteceu recentemente em São Paulo a 41ª edição do CONARH com o tema-âncora A arte da gestão de pessoas – desafios, incertezas e complexidade.
A intenção do comitê de criação desse evento, mesmo antes de saber algo sobre o livro A estetização do mundo (citado no artigo anterior), foi exatamente a de colocar para reflexão e debate a necessidade de reinventar as práticas de RH, sob uma ótica inspiradora, inventiva e vanguardista. Tudo, enfim, o que significa a essência da arte.
O resultado não poderia ter sido melhor. Encontramos forte respaldo a essa intenção nos mais diversos campos de atividade. Na pintura, música, cinema, televisão, teatro e literatura, show business. E até na gastronomia buscamos a conexão do profissionalismo de um chef de cozinha com a educação criativa e a originalidade inventiva. Um conjunto harmônico de fatores e tendências que reforçam o elo já existente entre a revolução estética das indústrias e dos mercados, com o nosso papel de líderes do desenvolvimento humano e organizacional.
“Não existe o saber mais e o saber menos. Existe o saber diferente”, já disse o educador Paulo Freire. É esse saber diferente que procuramos ilustrar com o uso de exemplos extraídos dos diversos canais de expressão da arte. O uso de games, por exemplo, é um desses recursos inovadores de aprendizagem e que, no CONARH, teve o desafio de envolver mais de três mil pessoas num momento lúdico e, ao mesmo tempo, surpreendente pelo poder de atração e envolvimento.

Bem-vindos, então, a esse admirável mundo novo, onde a angústia e o estresse causados pelas dificuldades econômicas, sociais e políticas encontram um poderoso lenitivo na capacidade de renovação da humanidade e nos múltiplos caminhos de evolução do nosso potencial de sensibilidade no uso da arte e da estética como recursos de gestão de pessoas e de organizações.

A Estetização do Mundo


Não há espaço para mudanças tão radicais: o capitalismo continua existindo para gerar lucro nas empresas e ampliar as oportunidades de consumo às pessoas. Mas, segundo os autores franceses Gilles Lipovetsky e Jean Serroy (A estetização do mundo - viver na era do capitalismo artista, da Companhia das Letras), o capitalismo vem suavizando crescentemente a sua “pegada” comercial, assumindo um papel de zelo pelo bom gosto e de guardião da estética.
Não por uma escolha pessoal dos capitalistas, mas sim pelo hiperindividualismo do consumidor moderno. A tecnologia de produção, os produtos e serviços estão ganhando glamour e requinte estético que geram verdadeiras experiências artísticas.
É por esse fenômeno que o Bon Marché (loja de varejo de luxo de Paris) realiza fantásticos fashion shows a cada temporada. Os museus e galerias promovem exposições que abordam todas as formas de arte e abreviam cada vez mais os períodos de vigências dessas exposições. A ordem é criar constantemente um novo espírito da arte, que chame a atenção e gere filas intermináveis.
Segundo os autores, esse ciclo de comportamentos é amplo e diversificado. Relógios, celulares, canetas, automóveis, carrocerias de caminhões e ônibus, enfim, um enorme leque de itens e produtos passam por um “banho” estético que competem entre si pela originalidade e impacto visual. “Nossos carros são verdadeiros objetos de arte” é um dos slogans da Mercedes-Benz. As marcas de luxo - Prada, Cartier, Chanel - ampliam suas aplicabilidades em dezenas de produtos, democratizando um acesso de consumo antes restrito a poucos (e ricos).
A chamada arte comercial, desta forma, chega à hotelaria, à comida, aos food trucks e às redes de hotéis de charme. A arte se torna um instrumento de legitimação das marcas e das empresas do capitalismo. O que esse movimento tem a ver com recursos humanos e gestão de pessoas? Tem muito a ver, na medida em que representa uma mudança de cultura de massa, uma nova ordem estética e um forte anseio das pessoas (consumidores) pelo estilo, pelo embelezamento, pela leveza.
Nesse movimento, surge uma boa e intrigante pergunta: como vamos adaptar nossas ações, produtos e serviços a essa nova “estetização da vida” sem perder a consistência, seriedade de princípios e valores fundamentais do nosso papel? Seremos capazes de glamorizar nossas ações de treinamento e desenvolvimento, tornar mais atraentes nossos projetos, adotar uma linguagem moderna e impactante? Ou ficaremos presos aos velhos e cansativos clichês, aos PowerPoint com ilustrações hipermanjadas da internet e aos eventos discursivos e sonolentos?
Estamos em um novo tempo, o da estetização do mundo. Não é mais uma tendência, é um fato inegável a necessidade de mudar o formato, inovar sem radicalizar, conquistar a atenção sem banalizar a mensagem. Difícil? Claro. Não é à toa que são artistas aqueles que estão criando esse novo mundo.
Que tal despertarmos a arte que pode estar submersa em cada um de nós? No próximo artigo daremos algumas dicas e exemplos práticos nesse caminho.