terça-feira, 11 de abril de 2017

Os Fatos Alternativos da Era Trump


O vocabulário pode ser um jogo de esconde-esconde nas organizações
No dia seguinte à sua posse como presidente, Donald Trump desprezou o mínimo de inteligência do cidadão comum americano, ao mandar sua assessoria afirmar que o povo nas ruas de Washington na data de sua “coroação” era o dobro do mesmo evento na posse de Obama. De nada adiantaram as imagens demonstrando o contrário. Trump e seus asseclas insistem em uma “realidade que não existe”.  Curioso é que essa tremenda cara de pau - negação das obviedades - ganhou um novo jargão na comunicação oficial do governo Trump: os Fatos Alternativos.
Insistir em erguer um muro na fronteira dos Estados Unidos com o México é uma atitude unilateral, fora do contexto das relações internacionais e uma afronta ao país vizinho, considerando os milhões de cidadãos americanos originários do México?
O “fato alternativo” é que, na cabeça do bilionário, essa é a decisão certa, não importa a gritaria provocada. Afinal, ele foi eleito com milhões de votos, com base em um rol de promessas que, simplesmente, estão sendo cumpridas.  O senso comum, o espírito humanitário, as regras da geopolítica indicam o contrário?  Lixem-se essas opiniões, o fato (alternativo) está criado. Os incomodados que se mudem.
Algum paralelo com a realidade no Brasil?  Sim, a começar com a idêntica cara de pau dos políticos envolvidos nas denúncias da Operação Lava Jato e em investigações similares. Doações via caixa 2 são condenáveis e passíveis de punição legal? Ora, convenhamos, todos os partidos fazem isso e todo mundo sabe.  É, na verdade, um “fato alternativo” que todos deveriam aceitar para a boa convivência entre a política e a sociedade.
Se essa distorção da realidade vingar, pode-se até perdoar as indústrias automobilísticas, que falsificaram prontuários técnicos sobre a poluição provocada pelos automóveis. Organizações podem falsear relatórios sobre os seus resultados?  Vide o que aconteceu com a Petrobras, com a negação de sua firma de auditoria em assinar os balanços atrasados (e altamente polêmicos). E a nomenclatura da Odebrecht para a criação do seu “Departamento de Operações Estruturadas”? Na verdade, escamoteando o superinteligente esquema de corrupção implantado no Brasil e em vários países.
Moral da história (o que mais falta nessas histórias é a honradez moral): Precisamos cuidar, como profissionais de recursos humanos, que a moda dos “fatos alternativos” não vire um escape para mascarar a realidade. Um exemplo: a aplicação de pesquisas de clima (ou de engajamento) após o recebimento de bônus para as chefias e demais lideranças da força de trabalho.  Manipulação ou tentativa de disfarçar insatisfações latentes, criando o “fato alternativo”, desta vez aplicado ao mundo corporativo? Temos que zelar pela coerência de princípios e valores organizacionais. Concordar com “fatos alternativos” não ajuda em nada essa zeladoria.

terça-feira, 7 de março de 2017

A Globalização da Indiferença


O espantoso (e contagioso) crescimento de um sentimento universal: a indiferença

Talvez demande muitos e aprofundados estudos de especialistas em comportamento humano. E é bem provável que boa parte das pessoas encontre justificativas racionais para negar a sua evidência. Mas a verdade é que a indiferença vem ganhando de goleada o campeonato mundial de atitudes do ser humano com relação às atrocidades e desmandos desse início do século 21.
Essa constatação vale para múltiplas dimensões de análise, nos planos geoeconômicos, políticos, sociais, humanitários. Um exemplo banal: qual a nossa costumeira reação (no aspecto dos sentimentos) quando assistimos a um programa cotidiano de notícias da TV sobre o caos provocado pela guerra na Síria? Ou sobre o desespero e angústia dos emigrantes de várias regiões africanas na busca da sobrevivência (a mera sobrevivência)?
São, é claro, informações de realidades distantes, com baixas implicações para a grande maioria de nós, brasileiros. Mas representam um fenômeno preocupante, um traço dominante de comportamento, alertado recentemente pelo Papa Francisco (sempre ele). A anestesia que parece ter tomado conta do espírito generalizado da humanidade, quando confrontado com a barbárie e os descalabros que teimam em perdurar, ano após ano, nos atos de governo de alguns líderes mundiais.
Um dia desses, na coluna da jornalista Ana Reis, do jornal O Globo, constou uma citação sobre a mitologia celta: a deusa da guerra defendia que o fim do mundo estaria próximo quando ocorressem, ao mesmo tempo, confusão das estações climáticas, profunda corrupção dos homens, decadência das classes sociais, violência e perversão dos costumes. Se esse prognóstico celta parece atual, não é mera coincidência. E com preocupante similaridade, aí sim, com o nosso Brasil. E com o agravante da lembrança do Papa Francisco: o risco de nossa letargia diante da realidade.
É hora de promovermos, individualmente, a reflexão sobre esse risco e o que fazer a respeito. Onde está o nosso ponto de mutação, saindo da indiferença para algum tipo de ação proativa?
Não se trata de defender panfletagens ou arroubos rebeldes, mas sim de resgatar a saudável indignação diante de contextos de negação dos princípios elementares da ética e do respeito nas relações.
O que a área e os dirigentes de recursos humanos têm a ver com isso? Tudo. Na medida em que as crenças e valores que podem impulsionar o tal “ponto de mutação” dos nossos comportamentos são parte de uma cultura organizacional a ser revitalizada ou construída, com a influência determinante de recursos humanos. 

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

A Precariedade dos Cenários para 2017

Definir tendências e impactos é um exercício de sensibilidade do cenarista, nada mais



A leitura do mundo precede a leitura das palavras, já defendia o mestre Paulo Freire, um educador à frente do seu tempo. De fato, compreender o emaranhado de palavras estampadas todos os dias na mídia brasileira exige a leitura de um mundo novo para todos nós, brasileiros.
O rosário de denúncias de corrupção deslavada, os processos judiciais e as ações continuadas da polícia, tudo isso traz uma triste realidade: o vazio total de credibilidade da grande maioria da classe política nos deixa quase na desesperança de encontrar legitimidade em nossos representantes no Poder Legislativo e em boa parte do Poder Executivo.
O que irá acontecer no futuro imediato desse contexto? De que forma o cidadão comum terá um mínimo de segurança na preservação das leis elementares da sociedade? É certo que existe a contrapartida dessa inquietude, já que o Poder Judiciário, em várias de suas instâncias, demonstra um forte estado de alerta na zeladoria do Estado de Direito. Mas esse movimento ético terá musculatura suficiente para resistir no tempo às forças do obscurantismo e aos senhores coronéis do poder estabelecido?
Derivando a análise para o plano econômico, como reverter o espaço gritante de diferenciação das classes sociais brasileiras, o ciclo perverso que segrega milhões de pessoas do consumo básico de bens e serviços e do acesso a condições razoáveis de educação, saúde, habitação e transporte urbano? A dinâmica econômica, quando reestabelecida em patamares decentes, poderá romper a espiral do desemprego, criando oportunidades dignas de trabalho e prosperidade?
Enfim, a lista de questionamentos poderia continuar e amplificar nossa sensação de desamparo e inquietude, mas é claro que esse estado de espírito não ajuda em nada a busca de alternativas. O certo é perceber que essa leitura cáustica dos cenários deve nos trazer a maturidade necessária para encarar a realidade e encontrar o fôlego que possibilite superar o negativismo em fatos positivos que acontecem na sociedade informal brasileira.  Vários movimentos associativos estão acontecendo nos setores empresariais, nos grupos comunitários, nas organizações não governamentais, e por aí adiante. O ânimo coletivo está acontecendo aqui e acolá, a despeito das dificuldades do macrocontexto.
Com todas as pedras no caminho, o futuro está sendo construído no dia a dia que não necessariamente é conhecido e divulgado. Afinal, como diz o nosso brilhante cronista do cotidiano, Luis Fernando Verissimo, “o futuro era muito melhor antigamente”...

O futuro, agora, é um desafio de reconstrução. Para isso, é preciso estar atento e forte.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Uma competência que funciona?


Jornalista americana questiona a febre organizacional pela criatividade compulsória
A colunista Lucy Kellaway, do Financial Times, saiu-se um dia desses com uma abordagem surpreendente contra a corrente de décadas de exortação à criatividade. Com o título A praga da criatividade compulsória pode estar no fim (Valor Econômico, de 19/09/2016), a jornalista defende a revisão da verdadeira adoração (palavras dela) que as empresas atribuem ao poder criativo. Até as áreas de contabilidade de grandes empresas, segundo o artigo, devem ter uma atmosfera na qual as pessoas são recompensadas por suas ideias criativas.
Uma multinacional de sanduíches enfrenta, na visão da jornalista, o constrangimento de nomear os funcionários no cargo de “imaginadores”. “Numa máquina globalizada que produz 4,8 mil sanduíches por minuto, a criatividade na linha de produção não é algo recomendado”. Mais à frente, é citado um artigo da revista FastCompany, com o sugestivo título Como ser menos criativo no trabalho e por que às vezes você deveria fazer isso.
A provocação da articulista faz sentido em alguns casos, em que os trabalhadores comuns são convocados a terem “surtos de criatividade”, ao mesmo tempo em que são pressionados a aumentar a produtividade em funções clássicas e com reduzidos espaços de imaginação ou inventividade.
Essa contradição acontece quando a criatividade é elevada a uma espécie de panaceia generalizada.  O glamour que permeia os movimentos inovadores pode disfarçar questões corriqueiras como a atenção ao cliente, a gestão cotidiana dos custos e o espírito de equipe na força de trabalho. Ser criativo é um importante diferencial na carreira. Mas o ponto é a banalização crescente do tema.
Voltando ao artigo do Financial Times, há quase dois milhões de pessoas no LinkedIn que se definem como criativos no seu perfil. Poucos se atribuem características como colaborativos ou integradores, talvez porque prejulgam esses itens como pouco relevantes na ótica do mundo organizacional.
Todo excesso de virtude exacerba características negativas, já dizia Peter Drucker.  Em outras palavras, podemos dizer: devagar com o andor na megaexacerbação da criatividade como um mantra generalizado.
O homem é o homem e suas circunstâncias, dizia o filósofo Ortega y Gasset. Existirão negócios, mercados e circunstâncias em que a veia criativa seja a demanda essencial de performance de um profissional. Assim como existirão situações nas quais a capacidade de julgamento e a flexibilidade de adaptação serão os requerimentos básicos de um profissional competente.
A criatividade, excluindo os exageros de glorificação, será sempre uma vocação positiva no mundo do trabalho. Por outro lado, pragmatismo, objetividade, concentração e foco, não são atributos conflitivos à criatividade, ao contrário, o melhor dos mundos é quando esse conjunto de elementos encontra uma síntese harmoniosa.  Criativo, sim, focado e objetivo também...  Por que não?

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Identidade Corporativa


Não é só uma questão cultural; é também premissa de sobrevivência
Em 26 de julho, foi destaque de reportagem, no The Wall Street Journal Americas, a surpreendente venda do Yahoo para a Verizon, maior operadora de telefonia americana. O valor da transação, US$ 4,83 bilhões, parece igualmente surpreendente, mas representa pouco diante do valor de mercado alcançado no começo do ano 2000 pelo Yahoo: US$ 125 bilhões!
Criado no início da internet, há 22 anos, o Yahoo cresceu vertiginosamente, a ponto de ser um sério candidato à compra do Google, em 2002, e do Facebook, em 2006. Diversos erros estratégicos levaram a empresa a ser vendida, além do conhecido estouro da bolha da internet, quando as ações do Yahoo despencaram 93% em 20 meses!
Voltando ao Wall Street Journal, o título da matéria dá o tom que inspira essa história: Crise de Identidade leva o Yahoo de líder a derrotado no mundo digital. O interessante é a pegada do jornal quando explora a verdadeira dúvida existencial que colocou a nocaute aquela que era a pepita de ouro da economia online.
“Se você é tudo, você é meio que nada”, escreveu Brad Garlinghouse, um ex-executivo do próprio Yahoo que criticava o excesso de diversificação e a indefinição de propósito da empresa.
Com indecisões que deixavam confusas as formulações de identidade corporativa, o Yahoo nunca chegou a compor um núcleo de posicionamento que definisse sua proposta de valor e que estabelecesse as premissas básicas de sua essência cultural.
Um bom estudo de caso? Mais do que isso:  um alerta importante para que todos nós, profissionais de gestão empresarial e desenvolvimento organizacional, lembremos que os investimentos de conexão entre identidade e estratégia corporativa devem fazer parte das premissas de sobrevivência dos negócios. Cabe lembrar que a simbiose natural e necessária entre identidade e estratégia parte do entendimento básico do que significa construir a identidade corporativa. Definir crenças e princípios organizacionais que servirão de estrela-guia para os comportamentos e atitudes da liderança, formando um código referencial para a cultura e seus desdobramentos.

Importante para a clarificação é a simbiose entre cultura e estratégia, conectando os enunciados das crenças com os direcionadores estratégicos que nortearão os negócios, começando pela definição da proposta de valor e do posicionamento competitivo.  Qual a demanda mais relevante do mercado para o negócio e que a empresa atenderá de forma marcante?  Essa será a proposta de valor. E quais atributos de diferenciação sustentável serão buscados a médio e longo prazos para distinguir a marca e as realizações da empresa? O conjunto desses atributos será o posicionamento competitivo do negócio. O alinhamento entre as crenças, a proposta de valor e o posicionamento competitivo será o balizador do mapa estratégico. Assim se fecha o círculo virtuoso, compondo identidade e estratégia de forma harmônica e equilibrada.