O Brasil pode estar na
véspera de alçar sem medo o voo para novos caminhos de esperança
O Brasil é um país que dificilmente saberia viver sem
sonhos, talvez porque durante muito tempo os teve frustrados. E são os jovens
os que estão resgatando mais os sonhos perdidos, incluindo na política. Eles
gostariam das palavras do cantor catalão, Manuel Serrat: “Sem sonhos, a vida
seria somente um ensaio para a morte”. E os brasileiros preferem ensaiar para a
vida.
A neurociência está demonstrando o que já nos ensinavam na
Faculdade de Psicologia da Universidade da Sapienza de Roma: se não sonhássemos
várias vezes a cada noite, ficaríamos loucos.
Mas se é certo que o organismo humano precisa sonhar a cada
noite para sobreviver, não precisamos também sonhar de olhos abertos para ser
felizes?
Sacudidos pela morte trágica do candidato socialista,
Eduardo Campos, voltou a ecoar nas eleições brasileiras a possibilidade de
sonhar também na política.
Não é nenhum segredo que o Brasil, depois de alguns anos de
euforia que contagiou o mundo, vivia, antes da morte de Campos, um momento de
certo desencanto político e até social.
Os jornais ultimamente parecem boletins de índices negativos
em quase tudo: na economia, no combate à violência, na inflação, na confiança
cada vez menor dos cidadãos no futuro, na corrupção que parece abraçar tudo,
incluindo esta joia da coroa e orgulho nacional que sempre foi a Petrobras.
A esperança parecia ter começado a murchar e se falava de
eleições sem paixão, com profecias de cifras astronômicas de votos de
abstenção, nulos ou brancos.
De repente, sacudiu-se o pó do verbo sonhar e as eleições
estão sendo vividas com novo interesse até mesmo fora do Brasil. O desencanto
começa a dar lugar para a surpresa e a esperança. E o trem do gosto pela
política parece ter entrado novamente em movimento.
Até candidatos como Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB)
que poderiam ser considerados como representantes de partidos historicamente
consolidados, sem excessivas surpresas em seus programas e em sua forma de
fazer política, lutam agora para apresentarem-se renovados diante dos
eleitores. Eles também querem aparecer como uma novidade.
Para humanizar Dilma, a Presidenta exigente capaz de fazer
chorar ministros, foi apresentada na televisão cozinhando, desenvolta e
familiar, um prato de macarrão, no Palácio Presidencial. E o jovem e liberal
Aécio, neto do histórico Tancredo Neves, abraça nas ruas favelados e
aposentados pobres.
Se diria que os sonhos passeiam agora desenvoltos pelos
salões dos programas de todos os candidatos. Esses esforços para humanizar e
modernizar a política, que até ontem pareciam uma heresia, começam a tomar
corpo. E é talvez essa possibilidade de poder mesclar realismo com utopia,
pragmatismo com sonhos, governabilidade com novas e inéditas formas de
participação da sociedade na gestão pública, o que deu vida nova para eleições
que pareciam se arrastar sem interesse.
Por isso, ganhe quem ganhar o pleito eleitoral, os
brasileiros não perdoarão o vencedor que tiver medo de sonhar um Brasil
diferente. E já são 70% os que pedem que as coisas mudem.
Este país, há anos, surpreende o mundo não só por sua forte
carga de injustiça social ou por seus índices de corrupção política ou de
violência, mas também por sua grande criatividade, pelo esforço da geração
jovem, incluindo a chegada da sofrida classe C, para decidir seus destinos e
reinventar sua vida.
O Brasil é um país de paradoxos no qual convivem
discriminação racial junto com uma incrível capacidade de pluralismo religioso
e de aceitação dos estrangeiros e diferentes. Na grande São Paulo, por exemplo,
a maior metrópole da América Latina, vivem em paz pessoas de noventa nações
diferentes.
Agora, o Brasil pode surpreender um Planeta apático com a
política por sua capacidade de introduzir nela a força de novas utopias, já que
as velhas se desvaneceram ao se fazerem incompatíveis com a democracia e as
liberdades.
Este país pode ser capaz hoje de demonstrar que não existe
incompatibilidade entre a realidade concreta da vida e a capacidade de não
renunciar a sonhar, como já foi capaz anteriormente de demonstrar que se pode
não perder o gosto pela festa e a alegria em meio à amargura e a tirania da
pobreza.
É verdade que ainda existem os que seguem considerando
difícil conjugar sonhos e realidade, algo que parece um perigo ou uma fuga. Mas
se é certo que está cientificamente provado que sonhar é indispensável até para
nossa saúde mental, deveria ser também no campo da política, que é a arte de
decidir o tamanho da felicidade dos cidadãos.
“Vivemos uma vida,
sonhamos com outra, mas a de verdade é a que sonhamos”, escreveu o crítico
literário francês, Jean Guéhenno, autor de Changer la vie.
Mudemos em sua frase, a palavra vida pelo vocábulo
“política” e aparecerá que o que pode melhorar nossa vida de cidadãos não é
somente aquela com a qual convivemos, mas também a que seguimos sonhando.
O grande artista da língua portuguesa, o imortal Fernando
Pessoa, escreveu: “Somente o que sonhamos é o que somos de verdade, o resto,
por já estar realizado, pertence ao mundo”.
Existe um pequeno poema do poeta cubano, Aldo J. Méndez, intitulado
‘Cuento de los suenõs posibles’, que em sua aparente simplicidade infantil leva
uma profunda filosofia de nossos desejos de superação:
Le preguntó una flor a una mariposa
¿Cómo puedo volar muchacha hermosa?
Pues sueña que lo puedes y, despacito,
separa tus raíces poco a poquito.
Luego, si te faltan alas, lanza un suspiro.
Inténtalo, sin miedo, que yo te miro.
Y la flor, convencida, levantó el vuelo
y rozó, sorprendida, un trozo de cielo.
O Brasil pode estar na véspera de tentar voar de novo, sem medo,
para novos caminhos de esperança. E como diz o poema, o mundo o está
observando.
Artigo de autoria de Juan Arias publicado no El País