O americano John
Mackey, fundador do Whole Foods, uma das redes de varejo mais admiradas do mundo,
fala sobre a missão de gerir um negócio que não busca só o lucro
O americano John Mackey, fundador e co-presidente mundial do
Whole Foods, a rede de varejo mais badalada dos Estados Unidos por vender
produtos orgânicos e privilegiar pequenos fornecedores locais, está cada dia
mais avesso a conceder entrevistas sobre o negócio.
Aos 61 anos, o executivo diz que a demanda por seu tempo
aumenta exponencialmente à medida que o Whole Foods se expande - e ele
definitivamente tem crescido. Criada na década de 80, em Austin, capital do
estado do Texas, onde está sua sede, a varejista deverá fechar o ano de 2014
com 400 lojas. Mas Mackey não dedica seu tempo apenas à gestão da rede, que
faturou quase 13 bilhões de dólares em 2013.
O executivo é o grande nome por trás do Capitalismo
Consciente, movimento que prega que as empresas devem se guiar por um propósito
maior do que o de lucrar e remunerar investidores. Mas, para provar que o tal
Capitalismo Consciente é viável, quando dá entrevistas Mackey precisa falar
sobre o modus operandi do Whole Foods.
Afinal, são poucos os negócios que exemplificam de maneira
tão clara os ideais que ele defende. Na empresa, por exemplo, a disparidade de
salários entre a cúpula e os funcionários de nível operacional não ultrapassa
20 vezes, ante a média americana de 200.
Em meados de setembro, Mackey veio ao Brasil pela primeira
vez para dar uma palestra a convite da Associação Brasileira de Supermercados e
para se encontrar com executivos brasileiros adeptos do movimento. Em um de
seus dias dedicados ao lazer, no Rio de Janeiro, ele falou a Exame.
Exame - Quais são os
princípios do chamado Capitalismo Consciente?
John Mackey - O primeiro princípio é que todo negócio deve
ser guiado por um propósito maior do que o de fazer dinheiro. O Whole Foods é
movido pelo desejo de ajudar as pessoas a ser mais saudáveis. O segundo
princípio é que você precisa criar valor para todos os públicos com os quais se
relaciona.
Reina no mundo dos negócios o raciocínio de que se alguém
está se dando bem, como seus funcionários, alguém está se dando muito mal,
provavelmente os fornecedores ou os acionistas.
Trata-se de uma lógica equivocada. Nossa experiência mostra
que fornecedores e funcionários satisfeitos prestam um serviço melhor, e isso
deixa os clientes felizes. E clientes felizes são a melhor publicidade para um
negócio - e isso beneficia os acionistas.
Exame - O movimento
do Capitalismo Consciente pode ser bem-sucedido?
John Mackey - O Capitalismo Consciente tem se alastrado. Não
exatamente com esse nome, mas os valores que pregamos têm se espalhado porque
eles dão resultado. E, nos negócios, tudo o que dá resultado se espalha muito
rapidamente.
Se não fosse bom para uma empresa ter um propósito maior do
que o de ganhar dinheiro ou se preocupar com todos os seus stakeholders, nós
não teríamos crescido tanto. Mas admito que não se trata de uma fórmula
simples. Nas empresas há sempre uma luta entre os “puristas” e os
“pragmáticos”.
Os puristas nunca buscam atalhos, nunca se comprometem. E, quando
falo de atalhos, não me refiro a ações antiéticas ou ilegais. Já os pragmáticos
buscam maneiras de suprir as demandas do mercado de forma legítima.
Exame - Em algum
momento o senhor se sentiu tentado a tomar esses atalhos?
John Mackey - Claro. Sou vegano (não come nenhum produto de
origem animal) e sei que meus amigos veganos acham que eu sou um hipócrita por
vender carne de origem animal no Whole Foods. Mas apenas 0,5% da população
americana é vegana.
E o que eu faço com o resto? As empresas precisam dos
puristas mas também dos pragmáticos para lidar com o que as pessoas querem. Sou
idealista, mas realista. Um líder deve ter inteligência emocional e espiritual.
Capacidade de ter empatia pelos outros. Um executivo pode ser brilhante, mas,
se for um idiota com as pessoas, não trabalhará conosco.
Exame - No Whole
Foods, uma pessoa é submetida a um período de testes de até 90 dias e só é
contratada se passar pelo crivo de dois terços da equipe com quem ela vai
trabalhar. O que está por trás dessa prática?
John Mackey - Acreditamos que cada equipe é única e que é
muito importante que seus membros tenham voz na contratação de um novo
integrante. O desempenho do time depende da cooperação de todos. E pode-se
enganar o chefe, mas ninguém engana os colegas por muito tempo.
Uma equipe dedicada e unida não vai querer um preguiçoso no
grupo. Nenhuma equipe é tão forte até rejeitar alguém, porque esse passo
fortalece a identidade do time.
Exame - O Whole Foods
é conhecido por não vender centenas de produtos. Como a rede define o que
vende?
John Mackey - Temos um grupo de especialistas que analisam a
qualidade dos produtos que vendemos. O trabalho deles é fazer recomendações.
Nós não boicotamos marcas como Coca-Cola. Mas temos uma lista de ingredientes
que não podem ser vendidos e, se um produto tem algum desses ingredientes, ele
não estará em nossas gôndolas.
Vendemos refrigerantes, mas eles não contêm aspartame,
corantes e outros produtos químicos que julgamos prejudiciais. Não somos os
donos da verdade, mas tomamos a decisão de não vender o que acreditamos não ser
bom.
Exame - Vocês foram
apelidados de whole paycheck, ou “contracheque inteiro”, porque sempre foram
careiros. Recentemente, a rede tem promovido campanhas agressivas de descontos.
Por que isso agora?
John Mackey - Sempre demos dicas para que nossos clientes
economizassem e sempre tivemos promoções, mas isso nunca foi muito explorado
pela mídia. Recentemente, porém, temos adotado essa estratégia de maneira bem
mais agressiva, e não há como não falar sobre ela.
E é claro que estamos fazendo isso, entre outros motivos,
porque queremos ganhar mercado e estamos sendo pressionados pelos concorrentes.
A propósito, estamos lançando pela primeira vez nos Estados Unidos uma campanha
nacional que será veiculada na TV.
Exame - O Whole Foods
tem 34 anos. Por que essa campanha só agora?
John Mackey - Por muito tempo fomos uma empresa pequena, e
tudo o que fazíamos chamava a atenção. Mas o Whole Foods se transformou numa
empresa grande, e há muita rejeição em relação às grandes corporações nos
Estados Unidos. As pessoas acreditam que elas são malignas. E a verdade é que a
mídia está nos atacando. Então decidimos fazer uma campanha nacional para
defender nossa marca.
Exame - O Whole Foods
tem aberto lojas no interior dos Estados Unidos e em cidades decadentes como
Detroit. Essa estratégia está funcionando?
John Mackey - Todo mundo dizia que não teríamos sucesso em
Detroit porque as pessoas não teriam renda e não estariam interessadas em
comprar comida de qualidade e saudável.
Decidimos abrir a loja porque acreditamos que,
independentemente da classe social ou da cultura, as pessoas querem criar seus
filhos de forma saudável. A loja de Detroit foi inaugurada em maio de 2013 e
tem vendido o dobro do que planejávamos.
Exame - O senhor se
preocupa com o que pode acontecer com o Whole Foods quando não estiver mais lá?
John Mackey - As companhias saudáveis fazem a sucessão com
executivos que tenham um histórico sólido na companhia e que amem seus valores.
A outra opção é recrutar no mercado alguém com uma mentalidade financeira.
Muitas empresas fazem isso. E esses executivos trazem resultados no curto prazo
porque cortam custos.
No longo prazo, porém, essa estratégia mina o que torna a
empresa única em relação aos concorrentes. Recentemente, numa rede de varejo
familiar americana chamada Market Basket aconteceu algo interessante. Uma parte
da família assumiu o controle e destituiu o presidente, que era admirado pelos funcionários.
Os empregados fizeram uma greve e ele voltou ao comando.
Gasto boa parte de meu tempo me dedicando a fortalecer a cultura do Whole
Foods. Se ela for forte, não adianta o conselho de administração colocar no
comando alguém que vá contra as ideias que sempre defendemos porque ele não
conseguirá ficar na companhia por muito tempo.
Exame - Em 2000, o
senhor quase foi demitido pelo conselho do Whole Foods. Como é esse
relacionamento hoje?
John Mackey - Criei um negócio sozinho e contratei um conselho.
Mas durante muitos anos não pensei - e sei que isso vai soar ridículo - que o
conselho poderia me demitir. Afinal, contratei esses caras, certo? Mas, em uma
empresa aberta, se você não está entregando os resultados financeiros
desejados, o conselho vai ficar na sua cola.
Felizmente, recebi uma dica de que o presidente e parte do
grupo orquestravam minha saída e consegui resolver a tempo a questão. Isso
aconteceu há 14 anos, mas hoje entendo que os executivos se reportam, sim, ao
conselho.
Exame - Os investidores
do Whole Foods acreditam no Capitalismo Consciente?
John Mackey - Você não pode impedir ninguém de comprar suas
ações se sua empresa está listada na bolsa. O que você pode fazer é ser muito
claro em relação à maneira como conduz o negócio e conquistar os acionistas que
merece. Sempre dizemos ao mercado que não gerimos o Whole Foods por trimestres.
Tomamos decisões hoje que só serão recompensadas lá na
frente. Os investidores que gostam desse discurso manterão nossas ações por
mais tempo. Os bons investidores estão por aí e, se você é transparente e
claro, eles aparecem.
Exame - E quando
haverá uma loja do Whole Foods no Brasil?
John Mackey - O Brasil é um dos maiores países do mundo e
poderia abrigar nossas lojas. Mas não é fácil para o Whole Foods se
internacionalizar. Nossas lojas têm cerca de 30 000
itens, e não posso trazer minha extensa rede de fornecedores para cá porque
isso não faria nenhum sentido.
Até porque valorizamos a produção local dos alimentos.
Precisaríamos desenvolver fornecedores aqui, e isso leva tempo. De forma
pragmática, hoje o México faria muito mais sentido para nós. Nossa matriz é em
Austin, no Texas, próximo à fronteira.
Temos muitos mexicanos como funcionários e compramos muitos
produtos frescos do país. Mas ainda não temos planos de ir para o México.
Espero que o Whole Foods esteja no Brasil um dia.
Esta entrevista foi publicada originalmente na revista Exame e escrita por Ana Luiza Herzog