terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Uma competência que funciona?


Jornalista americana questiona a febre organizacional pela criatividade compulsória
A colunista Lucy Kellaway, do Financial Times, saiu-se um dia desses com uma abordagem surpreendente contra a corrente de décadas de exortação à criatividade. Com o título A praga da criatividade compulsória pode estar no fim (Valor Econômico, de 19/09/2016), a jornalista defende a revisão da verdadeira adoração (palavras dela) que as empresas atribuem ao poder criativo. Até as áreas de contabilidade de grandes empresas, segundo o artigo, devem ter uma atmosfera na qual as pessoas são recompensadas por suas ideias criativas.
Uma multinacional de sanduíches enfrenta, na visão da jornalista, o constrangimento de nomear os funcionários no cargo de “imaginadores”. “Numa máquina globalizada que produz 4,8 mil sanduíches por minuto, a criatividade na linha de produção não é algo recomendado”. Mais à frente, é citado um artigo da revista FastCompany, com o sugestivo título Como ser menos criativo no trabalho e por que às vezes você deveria fazer isso.
A provocação da articulista faz sentido em alguns casos, em que os trabalhadores comuns são convocados a terem “surtos de criatividade”, ao mesmo tempo em que são pressionados a aumentar a produtividade em funções clássicas e com reduzidos espaços de imaginação ou inventividade.
Essa contradição acontece quando a criatividade é elevada a uma espécie de panaceia generalizada.  O glamour que permeia os movimentos inovadores pode disfarçar questões corriqueiras como a atenção ao cliente, a gestão cotidiana dos custos e o espírito de equipe na força de trabalho. Ser criativo é um importante diferencial na carreira. Mas o ponto é a banalização crescente do tema.
Voltando ao artigo do Financial Times, há quase dois milhões de pessoas no LinkedIn que se definem como criativos no seu perfil. Poucos se atribuem características como colaborativos ou integradores, talvez porque prejulgam esses itens como pouco relevantes na ótica do mundo organizacional.
Todo excesso de virtude exacerba características negativas, já dizia Peter Drucker.  Em outras palavras, podemos dizer: devagar com o andor na megaexacerbação da criatividade como um mantra generalizado.
O homem é o homem e suas circunstâncias, dizia o filósofo Ortega y Gasset. Existirão negócios, mercados e circunstâncias em que a veia criativa seja a demanda essencial de performance de um profissional. Assim como existirão situações nas quais a capacidade de julgamento e a flexibilidade de adaptação serão os requerimentos básicos de um profissional competente.
A criatividade, excluindo os exageros de glorificação, será sempre uma vocação positiva no mundo do trabalho. Por outro lado, pragmatismo, objetividade, concentração e foco, não são atributos conflitivos à criatividade, ao contrário, o melhor dos mundos é quando esse conjunto de elementos encontra uma síntese harmoniosa.  Criativo, sim, focado e objetivo também...  Por que não?