Jornalista americana questiona a febre organizacional pela criatividade
compulsória
A colunista Lucy Kellaway, do Financial Times, saiu-se um dia desses
com uma abordagem surpreendente contra a corrente de décadas de exortação à
criatividade. Com o título A praga da
criatividade compulsória pode estar no fim (Valor Econômico, de 19/09/2016), a jornalista defende a revisão da
verdadeira adoração (palavras dela) que as empresas atribuem ao poder criativo.
Até as áreas de contabilidade de grandes empresas, segundo o artigo, devem ter
uma atmosfera na qual as pessoas são recompensadas por suas ideias criativas.
Uma multinacional de sanduíches
enfrenta, na visão da jornalista, o constrangimento de nomear os funcionários
no cargo de “imaginadores”. “Numa máquina globalizada que produz 4,8 mil
sanduíches por minuto, a criatividade na linha de produção não é algo
recomendado”. Mais à frente, é citado um artigo da revista FastCompany, com o sugestivo título Como ser menos criativo no trabalho e por que às vezes você deveria
fazer isso.
A provocação da articulista faz
sentido em alguns casos, em que os trabalhadores comuns são convocados a terem
“surtos de criatividade”, ao mesmo tempo em que são pressionados a aumentar a
produtividade em funções clássicas e com reduzidos espaços de imaginação ou
inventividade.
Essa contradição acontece
quando a criatividade é elevada a uma espécie de panaceia generalizada. O glamour que permeia os movimentos
inovadores pode disfarçar questões corriqueiras como a atenção ao cliente, a
gestão cotidiana dos custos e o espírito de equipe na força de trabalho. Ser criativo
é um importante diferencial na carreira. Mas o ponto é a banalização crescente
do tema.
Voltando ao artigo do Financial Times, há quase dois milhões
de pessoas no LinkedIn que se definem como criativos no seu perfil. Poucos se
atribuem características como colaborativos ou integradores, talvez porque
prejulgam esses itens como pouco relevantes na ótica do mundo organizacional.
Todo excesso de virtude
exacerba características negativas, já dizia Peter Drucker. Em outras palavras, podemos dizer: devagar
com o andor na megaexacerbação da criatividade como um mantra generalizado.
O homem é o homem e suas
circunstâncias, dizia o filósofo Ortega y Gasset. Existirão negócios, mercados
e circunstâncias em que a veia criativa seja a demanda essencial de performance
de um profissional. Assim como existirão situações nas quais a capacidade de
julgamento e a flexibilidade de adaptação serão os requerimentos básicos de um
profissional competente.
A criatividade, excluindo os exageros de
glorificação, será sempre uma vocação positiva no mundo do trabalho. Por outro
lado, pragmatismo, objetividade, concentração e foco, não são atributos
conflitivos à criatividade, ao contrário, o melhor dos mundos é quando esse
conjunto de elementos encontra uma síntese harmoniosa. Criativo, sim, focado e objetivo
também... Por que não?
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