quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Dicas de Leitura - Estudos Culturais, uma abordagem prática





Estudos Culturais uma abordagem prática

Organizadora: Tatiana Amendola Sanches

Editora Senac

Na Livraria Cultura R$ 39,90






Tecnologias a serviço da multidão: novas fronteiras de um Estado em Crise

O conceito parte da ideia de que o Estado, pensado como elemento estruturante de uma nação forte e unificada, não mais corresponde a um correto entendimento de um mundo globalizado. Essa forma de organização encontra inimigos que constantemente o enfrentam a partir de estruturas de organização em rede que irão agir por todos os lados. Um exemplo de conflito dessas forças ocorreu na França no ano de 2010. O presidente Nicolas Sarkozy decretou a expulsão de centenas de ciganos romenos e búlgaros que viviam em situação irregular em agosto. Os imigrantes seriam, segundo o governo francês, os responsáveis pelo aumento dos índices de violência no país. Os protestos foram imediatos e uma rede que envolvia mídia, ONGs, organismos internacionais (ONU, Comissão Europeia) e autoridades romenas e búlgaras começou a atacar o governo francês. Em seguida, no mês de setembro, num ataque mais direto, ocorre uma ameaça de bomba na Torre Eiffel, o que faz com que o monumento seja evacuado pelas autoridades.
Nesse exemplo, observamos vários inimigos do Estado: os movimentos populacionais, as redes de comunicação, os organismos internacionais e o terrorismo. Da mesma forma como esses elementos enfraquecem a ideia de fronteira, as tecnologias de comunicação também vêm questionando a delimitação e controle muitas vezes impostos pelos Estados. Segundo Hardt e Negri (2005, p. 13), "o desafio apresentado pelo conceito de multidão consiste em fazer com que uma multiplicidade social seja capaz de se comunicar e agir em comum, ao mesmo tempo que se mantém internamente diferente": O agir em comum proposto pelos autores tem ganhado corpo em diversos acontecimentos recentes que envolveram a organização da população contra o Estado. Os cidadãos desses países vêm usando as tecnologias de comunicação para se desvencilhar dos controles do governo. Eles produzem conteúdo controverso e subversivo e têm como apoio uma ampla rede de usuários localizados dentro e fora das fronteiras de seus países e que dá suporte às suas produções, possibilitando maior visibilidade. Veremos a seguir alguns desses casos.

Colaboração, redes sociais e a luta contra o Estado

As redes sociais criadas pelo desenvolvimento das tecnologias de comunicação digital vêm sendo motivo de reflexão para diversos campos da cultura, principalmente no que diz respeito ao potencial de produção e transformação dessas redes. O teor dos discursos é otimista em sua maioria, sustentado pela ideia de que em tais redes cria-se o campo ideal para a colaboração entre os indivíduos participantes, o que intensificaria, entre outras coisas, sua participação política.
O projeto de valorização da colaboração como campo de ação política não é novo. Ele está inserido na história da cultura e apresenta a colaboração como alternativa ao discurso unificado, autoritário e pouco criativo. Colaborar significa multiplicar as vozes e incentivar um diálogo cujo resultado final pode se dar na forma de produtos culturais. Em diversas instâncias ao longo da história da cultura observamos grupos que se uniram em função do compartilhamento de determinadas ideias. Tais grupos criaram redes de comunicação que possibilitaram o fortalecimento do grupo e o sentimento de pertença naqueles que descobriam nos outros a existência de ideias similares.
O desenvolvimento dos fanzines é emblemático neste caso. O termo refere-se às revistas criadas muitas vezes à mão e com poucas ferramentas tecnológicas, com baixa tiragem e circulação em espaços alternativos. Muitos dos títulos propunham dar voz àqueles que não encontravam lugar na mídia oficial, como os fãs de ficção científica, os punks e tantos outros outsiders. Por meio da circulação dos fanzines, os autores se identificavam e iniciavam a colaboração em rede por meio de troca de cartas. Entre os inúmeros exemplos que poderíamos citar de colaboração na arte, temos os coletivos que mostraram a força política que a criação em conjunto pode acarretar, além da exploração de recursos que chamassem a atenção para suas causas por meio de performances criativas e ousadas. Como um último exemplo, vale lembrar que todo o discurso em torno do desenvolvimento do software livre está centrado na ideia da colaboração entre pares, na divisão de conhecimento e no compartilhamento de ideias.
Portanto, o que as redes sociais de comunicação digital apresentam como novidade não é a colaboração em si, mas uma transformação no uso do coletivo como força e sustentação. Elas proporcionam a troca de informações de forma muito mais ágil do que antes e por essa razão aceleram a organização dos grupos, motivam conspirações, instigam a proteção mútua. Quando o motivo que aciona o coletivo é a opressão do Estado, instala-se nessas redes um campo de tensão que contrasta a estrutura rígida dos governos com a dinâmica e a fluidez das redes de comunicação digital.
Os acontecimentos envolvendo as revoluções populares contra os poderes do Estado no Oriente Médio (Irã) e no norte da África (Tunísia e Egito) foram apontados como movimentos que tiveram maior impacto em função do uso de ferramentas de comunicação como o Twitter, o Facebook e o Flickr.
Em todos os casos, observamos a luta dos cidadãos por reformas contra estados ditatoriais e retrógrados que controlam economias frágeis e deficitárias. Em 2009, no Irã, ocorreu a chamada "Revolução Verde", em referência à cor do partido de oposição que perdeu as eleições para Mahmoud Ahmadinejad, cuja vitória foi questionada em função de possíveis fraudes ocorridas no processo eleitoral. Durante os protestos, a internet foi usada para organizar os atos e espalhar vídeos caseiros das manifestações, uma vez que a maioria dos jornalistas oficiais já tinha sido expulsa do país ou proibida de trabalhar. Na opinião da mídia e de alguns autores, o Twitter foi o grande responsável pela dimensão que os protestos tomaram no país.
Entre o final de 2010 e o começo de 2011, mais dois protestos tomaram conta das ruas, dessa vez no norte da África. Na Tunísia, os protestos começaram a partir do dia em que o jovem desempregado Mohamed Bouazizi, que fora impedido de vender vegetais nas ruas pela polícia por não ter licença para trabalhar, ateou fogo em si mesmo. O ato bastou para desencadear o descontentamento geral da população. O país entrou numa crise política sem precedentes e que acabou derrubando o presidente Ben Ali, no poder havia 23 anos. Novamente, observou-se o uso intenso de ferramentas de comunicação digital, como os celulares e as redes sociais.
Inspirada pelos acontecimentos na Tunísia, a população do Egito também tomou coragem para sair às ruas e protestar contra o ditador Hosni Mubarak. A situação no Egito foi mais caótica, uma vez que os manifestantes se dividiram entre os grupos que apoiavam e aqueles que eram contra o governo. Essa divisão relaciona-se com o jogo de poder que está por trás do controle dos aparatos de comunicação, evidenciando um campo em que não opera simplesmente a espontaneidade das redes sociais, mas estratégias de poder mais diretas.
(...)

Conclusões

Procuramos ao longo deste artigo mostrar que a instituição do Estado passa por uma crise que coloca em questão seu papel nas relações econômicas, sociais e culturais no mundo contemporâneo. Forças diversas têm agido de forma a atenuar o papel do Estado como entidade mantenedora de uma parcela de território e de um nacionalismo evidenciado no âmbito político e cultural.

Dos diversos processos que essa transformação acarreta, chamamos a atenção para a produção cultural que se dá por meio das tecnologias de comunicação digital. Percebemos que as mesmas dão voz a uma multidão que funciona sob outra lógica que se desvencilha de conceitos políticos clássicos como nação e território. Ela trabalha sob a ordem colaborativa e nos diz que o território nacional já não é suficiente para dar conta de seus processos de criação. Além disso, a circulação de informação por meio das novas tecnologias provoca e instiga as populações envolvidas nos casos apresentados, mostrando seu poder de criar instabilidades, mesmo que momentâneas, sobre os aparatos de controle. Através de soluções diversas observadas nos países citados, verificamos que o conflito local-global se resolve com a proliferação de identidades particulares que exaltam o potencial criador de grupos agindo em colaboração por meio das tecnologias. Ao mesmo tempo em que são singulares em suas causas locais, tais identidades exploram o poder global por meio da publicação de textos e imagens por eles produzidos. Seus interesses locais se fortalecem com o uso de conexões globais. Em contrapartida, o Estado e o nacionalismo perdem espaço. A multidão deseja mais que o nacional. Ela almeja o mundo e a rede.












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