sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

É possível definir o desconhecido?


Como a sensibilidade pode abrir os caminhos do futuro
“Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovakloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Pai, me ensina a olhar!” (Eduardo Galeano em O livro dos abraços).
O uruguaio Eduardo Galeno, recentemente falecido (abril de 2015), é um exemplo de multissensibilidade. Poeta, pensador, jornalista e escritor de mais de 40 livros, abordou temas ligados à ficção literária, história e política. Polêmico, escreveu As veias abertas da América Latina, uma obra que, por muitos anos, foi citada como exemplo da opressão dos povos latino-americanos pelas potências globais (Europa e Estados Unidos). E, para surpresa de muitos, 40 anos depois da edição, Galeano criticou fortemente seu próprio livro, classificando-o como um texto despreparado e que nem ele próprio leria nos tempos atuais. Um exemplo vivo de adoção, na realidade, de uma de suas frases mais conhecidas: “Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos”.
Qual a relação desse caso com o título deste artigo? Como o desconhecido pode ser mais facilmente definido com a ajuda e os exemplos de Eduardo Galeano? Com a sensibilidade de um novo olhar. Aquele desejo de aprendizado do garoto que pede ao pai que o ensine a olhar. Ou a coragem de alguém célebre colocar a vaidade de lado e criticar sua própria obra.
Precisamos cultivar, nestes tempos difíceis, um novo olhar, desligado de visões estanques e crenças arraigadas no passado. O desconhecido nos inquieta e assombra. Em momentos de incerteza e ambiguidade, como lidar com o inesperado? Como manter a paz de espírito e o equilíbrio das decisões?
Não há resposta fácil, mas certamente o resgate da sensibilidade pode ser uma tentativa de aprender com a própria incerteza, de refletir sobre o potencial atrofiado de descobertas que cada um de nós pode acionar no lugar da inquietude e dos desacertos.

Os tempos recentes determinaram algumas verdades estabelecidas, vários estereótipos e clichês que vêm marcando o nosso olhar do cotidiano, nossa maneira de pensar, sentir, julgar e agir. Entretanto, a avalanche de mudanças e o turbilhão de fatos inesperados a cada manchete de jornal pedem um tempo de serenidade, cada um com o seu contexto de vida, seus valores, dúvidas e anseios. Cada um com o olhar sensível e alerta para lidar com o desconhecido, o “decifra-me ou te devoro” de cada ser humano.

Um comentário:

  1. Se definir o presente já nos parece difícil, o futuro desconhecido parece mesmo indefinível. Mas pode ser sondado, explorado, perscrutado, desde que consigamos nos desapegar dos nossos modelos mentais tacanhos. Senão vamos achar que os taxistas de São Paulo vão acabar com o Uber...

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