Como a sensibilidade pode abrir os caminhos do futuro
“Diego não conhecia o mar. O
pai, Santiago Kovakloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o
Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o
menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito
caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar,
e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente
conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Pai, me ensina a olhar!”
(Eduardo Galeano em O livro dos abraços).
O uruguaio Eduardo Galeno,
recentemente falecido (abril de 2015), é um exemplo de multissensibilidade.
Poeta, pensador, jornalista e escritor de mais de 40 livros, abordou temas
ligados à ficção literária, história e política. Polêmico, escreveu As veias abertas da América Latina, uma
obra que, por muitos anos, foi citada como exemplo da opressão dos povos
latino-americanos pelas potências globais (Europa e Estados Unidos). E, para
surpresa de muitos, 40 anos depois da edição, Galeano criticou fortemente seu
próprio livro, classificando-o como um texto despreparado e que nem ele próprio
leria nos tempos atuais. Um exemplo vivo de adoção, na realidade, de uma de
suas frases mais conhecidas: “Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o
que fazemos para mudar o que somos”.
Qual a relação desse caso com o
título deste artigo? Como o desconhecido pode ser mais facilmente definido com
a ajuda e os exemplos de Eduardo Galeano? Com a sensibilidade de um novo olhar.
Aquele desejo de aprendizado do garoto que pede ao pai que o ensine a olhar. Ou
a coragem de alguém célebre colocar a vaidade de lado e criticar sua própria
obra.
Precisamos cultivar, nestes tempos
difíceis, um novo olhar, desligado de visões estanques e crenças arraigadas no
passado. O desconhecido nos inquieta e assombra. Em momentos de incerteza e
ambiguidade, como lidar com o inesperado? Como manter a paz de espírito e o
equilíbrio das decisões?
Não há resposta fácil, mas
certamente o resgate da sensibilidade pode ser uma tentativa de aprender com a
própria incerteza, de refletir sobre o potencial atrofiado de descobertas que
cada um de nós pode acionar no lugar da inquietude e dos desacertos.
Os tempos recentes determinaram
algumas verdades estabelecidas, vários estereótipos e clichês que vêm marcando
o nosso olhar do cotidiano, nossa maneira de pensar, sentir, julgar e agir.
Entretanto, a avalanche de mudanças e o turbilhão de fatos inesperados a cada
manchete de jornal pedem um tempo de serenidade, cada um com o seu contexto de
vida, seus valores, dúvidas e anseios. Cada um com o olhar sensível e alerta
para lidar com o desconhecido, o “decifra-me ou te devoro” de cada ser humano.
Se definir o presente já nos parece difícil, o futuro desconhecido parece mesmo indefinível. Mas pode ser sondado, explorado, perscrutado, desde que consigamos nos desapegar dos nossos modelos mentais tacanhos. Senão vamos achar que os taxistas de São Paulo vão acabar com o Uber...
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